sábado, 4 de maio de 2024

REFLEXÃO PARA O VI DOMINGO DA PÁSCOA – Jo 15,9-17:

 


O texto proposto pela liturgia para este sexto domingo da páscoa é a continuidade da alegoria da videira, meditado no domingo anterior (Jo 15,1-8). Jo 15,9-17 toca no tema do amor: o bem mais precioso que Jesus entrega em seu testamento somado ao dom de sua existência. Com isso, chegamos ao coração deste discurso de despedida que o Quarto Evangelho faz memória.

O amor é o dinamismo de vida que o Espírito de Jesus e do Pai realizam na pessoa e na realidade. Amor, que gera uma nova condição relacional entre a humanidade e Deus (amigos; e não mais servos), e a alegria, o distintivo do discípulo e da comunidade cristã.

O Senhor, na continuidade de seu ensinamento iniciado no discurso da videira, declara: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (v.9). O modelo do amor de Jesus é a forma como o Pai O ama. O evangelista usa o adverbio “como” para expressar a unidade existente entre eles. A forma como o Pai ama só pode ser encontrada na existência do Filho. Ele revela através do dom de sua vida, com gestos, atitudes, opções e palavras – durante toda a Sua missão – em que consiste o amor de Deus. 

O leitor-discípulo do Quarto Evangelho não pode se esquecer de que este discurso de despedida se dá junto a mesa. Antes, porém, Jesus realiza o gesto que expressa, profeticamente, a doação da própria vida – a sua capacidade de amar – lavando os pés dos seus (Jo 13). Este, é paradigma – modelo, forma – para a sua vida. Ele expressa a radicalidade do Seu amor.

Mas que amor é este? É importante se deter sobre esta reflexão um pouco. Na antiguidade clássica havia duas formas muito comuns de se falar de amor: Eros (gr. Ἔρως) e Filía (gr. Φιλία). O primeiro, sempre relacionado à ideia da reciprocidade. Consistia na capacidade de nutrir-se daquilo que outro pode oferecer, e, nesse sentido, oferecer-lhe o que falta. Ele está na forma sentimental, buscando identifica-lo com coisas atrativas que suscitam tudo aquilo que é belo. É uma pulsão de vida, inerente à natureza humana criada e desejada por Deus. Interessante: é o próprio Deus que cria o ser humano também com o Eros. É a busca e o anseio por tudo aquilo que pode preencher de sentido e de plenitude a vida. Impulsiona a buscar pelo outro por aquilo que ele pode dar. Esta forma de amor era expressão da vida dos apaixonados. Todavia, este impulso – pulsão – de amor corre o risco de fechar a pessoa em si mesma, e passar a uma dimensão egoística. Não é deste amor sobre o qual fala Jesus.

Quase não utilizado na antiguidade clássica pelos gregos, o ágape é a forma utilizada por Jesus para descrever, expressar e realizar o Seu amor e do Pai. O verbo agapao (gr. αγαπαω) aparece só neste discurso de despedida vinte e cinco vezes, sendo que cinco, só neste capítulo quinze. O amor ágape é a forma do amor incondicional e gratuito; é puro dom. É desinteressado. Não exige nada em troca, muito menos ser amado. Ama, não porque o outro pode corresponder e, como que numa troca, encontrar força de sentido, mas sim porque percebe a falta existente no outro. O amor com que o Cristo ama é aquele que deseja ofertar tudo se si para que o outro tenha tudo; tenha vida. É a capacidade de amar inclusive aqueles que desejam o mal ao próximo; que persegue e odeia. Portanto, é gerador de vida. Ou seja, o Senhor estabelece como Sua forma de vida este modo de amar. Assim, o amor do discípulo deverá ser como aquele vivido existencialmente pelo Mestre. Porque este não é um sentimento, mas uma atitude: doar-se em serviço. Ele não se transmite através de uma doutrina, mas por meio de gestos que comunicam e geram vida.

“Permanecei no meu amor” (v.9b). O evangelista trabalha, uma vez mais, com o verbo “permanecer” (gr. μένω), o qual indica a capacidade e estabelecer comunhão. Como já sabemos, ele alude à temática da habitação de Deus na história e na realidade. Jesus de Nazaré é a habitação – morada – de Deus definitiva. Mas o Senhor instrui o discípulo para permanecer no Seu amor. Ou seja, tornar a forma do amor com o qual Ele vive, como sua morada/habitação. Residir no amor do mestre significa tornar-se Sua morada.

“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor” (v.10). Jesus fala de “mandamentos” no plural. Mas na narrativa do lava-pés ele mencionou apenas um mandamento, ao qual chama de “novo”. Novo, porque supera em qualidade todos os outros mandamentos da lei de Moisés, e não por ser algo a se acrescentar ao decálogo. Existe um único mandamento: o amor. Quando este é vivido através das atitudes e gestos servidores pelo discípulo ele se torna um mandamento único, que tem a capacidade de superar os demais. Por isso, o amor transformado e vivido na dinâmica do serviço se torna a única garantia de comunhão com Jesus e o Pai. Aquele que acolhe em dom e resposta o mandamento de amor, faz a experiência da comunhão com Deus e se torna sua morada; sua habitação.

“Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena” (v.11). Jesus insere um ensinamento novo na catequese acerca do amor: a alegria. O distintivo do fiel discípulo é a alegria. Esta, não depende das alternâncias da vida. A alegria provém da capacidade de sentir-se amado. Ela é a constante expressão daquele que encontrou o verdadeiro sentido da vida. Assim, a alegria consiste na capacidade de gerar vida e amor ao próximo. Não consiste numa vida sorridente, desconexa da realidade nua e crua que rodeia; não se trata de uma euforia entusiástica, ou mesmo, inconsequente. Uma pessoa/discípulo que tem em si a alegria do Seu Senhor é aquela que, mesmo diante das dificuldades e obstáculos de sua vida sabe e consegue transmitir a plenitude de vida de Jesus àquele que ainda não a tem ou à quem a perdeu. A alegria, mais do que um sentimento eufórico, é uma atitude de vida.

No versículo 13, emerge uma temática que perpassará os v.v.14-16. A amizade. “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos”. Jesus inaugura um novo modo de relação com Deus. Ele se serve do contexto da relação mestre-discípulo. Na sua época esta relação acontecia de modo muito distante. O discípulo era servo do seu mestre, e, este, por sua vez, lhe era superior, como um patrão. Todavia, a relação com Jesus (e com Deus) não se dá a partir dessa ótica. Ele chama seus discípulos de amigos. Este, é aquele que nutre proximidade, intimidade, constância, familiaridade. Sensível ao que o outro necessita e se põe a realizar, sem que lhe seja mandado ou pedido. Entre os amigos não existe maior e menor. Não há hierarquias. Há igualdade e horizontalidade. O Senhor não precisa de servos porque ele mesmo se põe a servir a humanidade. O que ele necessita é de pessoas que, como ele e com ele, colaborem com este serviço. Mas isso só é possível se o discípulo guardar, no sentido de observar, praticar, realizar o mandamento: viver a vida na dinâmica do amor gerador de vida.

“Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça” (v.16). O fruto que Jesus e o Pai desejam e esperam do discípulo é o amor. A comunidade dos discípulos não pode ser uma comunidade imóvel. Pelo contrário, ela deve ir. O evangelista usa um verbo de movimento, a fim de indicar para os discípulos que a comunidade deve viver e frutificar esse amor indo ao encontro das pessoas.

O texto de hoje propõe algumas perguntas: como temos vivido nossa relação com Jesus, na condição de servos, ou temos ousado viver na condição de amigos? Em nossa vida e em nossa comunidade a alegria tem sido o distintivo de que somos discípulos e comunidade de Jesus? Como temos vivido na prática o mandamento do amor?

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.


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