A Igreja vive a solenidade de Nosso Senhor
Jesus Cristo, Rei do Universo neste último domingo do tempo comum. Com esta
celebração, encerra-se o ciclo litúrgico C, dedicado à leitura e meditação da
catequese evangélica de Lucas. Por isso, nos é apresentada para a meditação
eclesial o texto do “proprium” lucano das narrativas acerca da Paixão e Morte do
Senhor.
A pergunta incômoda, “como é possível um celebrar a realeza de uma pessoa a partir do fracasso?”, ou “Por que não mostrar a realeza de Jesus com outros textos que falam do seu retorno glorioso, ao invés destes textos que o mostram crucificado?” É bem verdade que a leitura do ciclo litúrgico A apresenta para esta solenidade o discurso escatológico de Mt 25, através do qual o evangelista pretende mostrar como será o reinado definitivo de Deus. Há um motivo, evidentemente.
O texto litúrgico começa a partir do v.35, situando-nos no contexto imediato, isto é, o calvário e a crucifixão. Os julgamentos diante do sinédrio (processo judaico) e o inquérito diante da autoridade romana, o procurador Pôncio Pilatos, se encarregaram de levar Jesus para ser torturado e sentenciado à pena de morte dos prisioneiros políticos, aqueles que pudessem representar algum perigo para o Império, à crucifixão. Aos pés da cruz encontram-se os chefes religioso do povo, os soldados responsáveis pela manutenção da ordem de execução, e, crucificados junto com ele, outras duas companhias, os malfeitores. É importante ler os versículos seguintes em unidade.
“Os chefes zombavam de Jesus dizendo: A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido! Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo! Acima dele havia um letreiro: Este é o Rei dos Judeus. Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” (v.v35-39). Os insultos que Jesus que recebe na cruz são um eco das tentações sofridas no deserto, no início de seu ministério. Por isso, eles só podem ser entendidos a partir de Lc 4,1-13.
As tentações foram seduções oferecidas pelo Diabo, com o propósito de fazer com que Jesus se desviasse do projeto de Deus, lhe fosse infiel, e usasse seu messianismo para benefício próprio; elas tinham a intenção de causar a divisão, a cisão, a ruptura entre Ele e o Pai. O caminho mais fácil; a lógica do ser e do ter, do domínio, da submissão e do prestígio. Quando o tentador percebe que nada afastará o Senhor da fidelidade a YHWH, em 4,13, o autor narra: “Tendo acabado toda a tentação, o diabo o deixou até o tempo oportuno”.
Lucas coloca o calvário e a cruz como o tempo oportuno para a última tentação de Cristo. Nesse sentido, os chefes religiosos, os soldados e o malfeitor com suas zombarias e troças, personificam e amplificam a figura do tentador nos momentos finais da vida de Jesus. Assim, a Sua última tentação se dá no calvário e na cruz. Os insultos, são, na verdade, a tentação de se servir de um messianismo fácil, sedutor, poderoso, espetacular; diametralmente oposto ao caminho do Messias encarnado por ele enquanto justo (Sl 22; 33; 69) e servo sofredor (Is 49 – 55). Diante da tentação de salva-se ele se oferece ao Pai, não respondendo através do caminho mais fácil. Torna-se, pois, rei de si mesmo e de suas vontades.
No meio daquele vozerio, alguém fala com consciência: um malfeitor, que provavelmente, para estar ali, deveria ter cometido um delito muito sério, que lhe custasse a vida. Ao censurar a fala do outro bandido, reconhece em Jesus o Justo, aquele que realizou durante toda a sua vida a vontade e o querer de Deus; que, ali, naquele injusto sofrimento, padece com confiança total na silenciosa presença de Deus. O Justo, na sagrada escritura é aquela pessoa que cumpre o querer de Deus; que padece sofrimentos por conta de sua fidelidade, permanecendo fiel à Deus. Assim é reconhecido Jesus pelo malfeitor: “Mas o outro o repreendeu, dizendo: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (v.v. 40-42).
Jesus lhe responde com a absoluta certeza de quem confia plenamente no Deus do Reino que ele anunciou durante toda a sua vida: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (v.43). Só neste versículo, dois temas se entrelaçam, se correspondem e se tornam plenos: a salvação universal que Deus oferece indistintamente e o “hoje” salvífico de Deus. O reinado de Deus em Jesus é este: o agir amoroso e misericordioso de Deus, sempre inclusivo e acolhedor, humanizador e gerador de novas e plenas possibilidades de vida.
Igualmente importante é o tema do Hoje salvífico de Deus: esta salvação, dom e graça, oferecida a todos, sem distinções, acontece sempre no hoje da história pessoal do indivíduo. Por isso, a vida de todo aquele se abre para acolher a vida e a história de Jesus de Nazaré, do Reino anunciado por Ele, transforma-se num encontro salvífico constante com o Deus e Pai de Jesus.
Assim é o reinado de Deus em Jesus: amor, misericórdia, salvação universal, acolhimento. Assim é Jesus Rei, que, paradoxalmente, não reina de um trono ou de um palácio, envolvido pelas ideologias imperiais e monárquicas; não reina a partir do poder, do prestígio, da fama, da glória e da vaidade. Reina desde a cruz, expressão máxima da doação da própria vida; de que o seu reinado, seu agir em nome do Deus que chama de Pai, foge dos esquemas e da lógica mundana.
O discípulo que quiser tomar parte deste reinado deverá estar disposto a assimilar e assumir esta mesma lógica e dinâmica de vida de Jesus.
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Paróquia São Judas Tadeu, Avaré /
Arquidiocese de Botucatu-SP.
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