domingo, 19 de outubro de 2025

REFLEXÃO PARA O XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM - Lc 18,1-8:

 


O evangelho proposto para a meditação do vigésimo nono domingo do tempo comum, é retirado do capítulo dezoito, o qual encerra a seção dos ensinamentos sobre o tema da fé dos discípulos, iniciado no capítulo anterior – Lc 17,1-10 – com o pedido para que Jesus lhes aumentasse a fé, seguido do relato da purificação dos dez leprosos, dentre os quais, um samaritano, que, ao retornar para agradecer honra o Senhor com sua fé (Lc 17,11-19), que não pode ser lido no domingo anterior devido à Solenidade da Senhora Aparecida. Por isso, o texto de hoje conclui este ensinamento. A fé dos discípulos deve ser perseverante e orante.

A fé, nos mostrou o capítulo dezessete, é a capacidade de relação com Deus. É e sempre será a resposta que o homem e a mulher, o discípulo e a discípula de Jesus de todos os tempos e lugares oferece a Deus, diante de seu amor, sua misericórdia e seu perdão. Ela habilita o discípulo a se relacionar com Ele segundo a forma e a condição de Filho, e ser reconhecido como discípulo do Reino. Mas esta relação-resposta deve ser sempre conservada a partir da perseverança e da constância, mesmo diante dos desafios e das dificuldades no seguimento a Jesus. É o que o discípulo-leitor do evangelho deve procurar absorver do texto deste domingo, Lc 18,1-8, a parábola do Juiz iníquo e da viúva, personagens simbólicas a serem compreendidas e aplicadas à dois grupos.

Para compreender o texto de hoje é necessário compreender o contexto da comunidade de Lucas (e de todas as comunidades no Século I). Cresce e acirra-se a perseguição contra o movimento de Jesus por parte do Império, pelo imperador Domiciano, e da parte do judaísmo da época. A violência, o insulto, a rejeição, a exclusão e marginalização dos cristãos dos dois lados da sociedade geravam desânimo nos primeiros cristãos e até desistências. Sob este clima é que Lucas tece o relato parabólico que inicia o capítulo dezoito. Este episódio é exclusivo do evangelista, que soube redigir bem o texto, apropriando-se do ensino de Jesus e das personagens, articulando-as a fim de transmitir uma mensagem de ânimo, de encorajamento e de esperança para suas comunidades para fortalecer lhes a Fé, mesmo em tempos de crise.

O texto começa apresentando a intenção do Senhor, a qual revela-se a finalidade do ensinamento que vem a seguir: “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir...” (v.1). Na verdade, o Senhor já trabalhou o tema da oração no capítulo 12 da catequese lucana. Por isso, este não pode ser considerado o tema central deste capítulo, embora apareça novamente. E, para que recordemos sempre: a repetição dos temas é um artifício do evangelista para mostrar as dificuldades que os discípulos-leitores estão apresentando na assimilação dos mesmos. No entanto, se faz importante recorrer ao contexto da comunidade uma vez mais, ou seja, os anos 80. Ela era composta, na sua maioria, por estrangeiros e pagão, os quais não tinham a prática e o costume da oração. Por serem de origem grega, a maioria estava habituada ao costume religioso grego dos sacrifícios apresentados nos templos, aos ritos.

A parábola apresenta duas personagens absolutamente opostas. Um juiz e uma viúva. Com muita precisão  são mostradas as características da personagem do magistrado: “um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum” (v.2). É um homem arrogante, autossuficiente, prepotente. Não temer a Deus significa que ele não o reverenciava. O temor bíblico não é sinônimo para o medo. Muito pelo contrário. É a atitude de reverência e de reconhecimento da dependência em relação ao divino. Este homem, mediante suas características, revela-se descomprometido com Deus e com outro (“não respeitava homem algum”).

A segunda personagem que Lucas apresenta como contraste é a viúva. É importante relembrar que esta classe, dentro da tradição religiosa do povo de Israel, devia ser protegida. Mas isso não era feito. Quando a mulher ficava viúva, sem herdeiros, e, não tendo ninguém que a amparasse, todos os seus bens e propriedades podiam ser dados ao templo, aos sacerdotes. Com isso, corria o risco de ficar na miséria, na mendicância, vivendo na marginalização. Muito provavelmente, esta viúva da parábola ao apresentar-se com insistência diante do juiz,  não tinha ninguém por ela. A sua característica é a insistência; a perseverança. Mesmo sabendo que o juiz poderia ser injusto com ela. Via de regra, no AT, as figuras dos magistrados das cidades eram sempre denunciadas pelos profetas por deixarem se corromper por seus próprios privilégios e vantagens, desfavorecendo os pobres que iam a eles pedindo justiça.

Não é o que acontece. O juiz se incomoda com a insistência da viúva. Ele expressa bem sua intenção: “Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!” (v.4-5). A tradução está equivocada: o juiz não teme a agressão. Primeiro, porque Jesus jamais incentivaria essa atitude, tampouco os evangelistas inspirariam este comportamento para suas comunidades, que já sofriam por demais com a violência. A tradução literal é esta: “Vou fazer-lhe justiça, para que ela não me coloque os olhos negros”. Trata-se de uma figura de linguagem que pretende aludir para o medo de ter sua reputação manchada. Ora, é claro que o juiz injusto não estava pensado no bem daquela viúva ao lhe exercer justiça, mas na sua própria imagem. Ele pensa em si mesmo, tão somente. Não pensa na justiça que pode fazer porque sua preocupação não é o outro. Por isso, quem simbolizam estas personagens?

O juiz injusto é símbolo para a mentalidade e atitude do Império Romano, imbuídos de seus esquemas e sistemas de domínio, opressão, coação, injustiça, violência e morte. Em primeiro lugar, a viúva é na tradição judaica símbolo para o próprio povo de Deus, quando se encontrava oprimido. Para a geração de Lucas, a viúva insistente se torna símbolo para a comunidade cristã, ameaçada nesta história. Ela se torna exemplar e modelo para os discípulos por sua perseverança na fé, mesmo em tempos difíceis; mesmo onde a crise e a dificuldade tomam conta e parecem reinar. É o exemplo da fé insistente e perseverante que a viúva tem que o discípulo precisa assimilar. Sua conduta orante deve imitar à desta mulher. Ora, a oração é aquele momento de intimidade com Deus, de relação pessoal com Ele. Nela se discerne a vida, as opções, as ações. Através dela se pode assimilar o que Deus pede e propõe. A oração é a atitude de colocar os olhos nos olhos do Pai e do Senhor Jesus para ver a direção para a qual eles apontam. No caso, a oração insistente serve para que o discípulo possa saber o momento oportuno para agir e resolver os problemas a partir da ótica de Deus. É, então, esta personagem que deve servir de modelo para a comunidade ou para o discípulo que balança na fé.

Jesus, conclui a parábola chamando a atenção dos discípulos para a conduta injusta deste juiz, para oferecer a eles a certeza de que ainda que aquele magistrado agisse assim, Deus age diferente. Com justiça, e esta é amor e misericórdia para salvar os seus. Nunca um juízo de condenação. O Pai não é como aquele juiz, que se posiciona ao lado de suas próprias convicções e bem-estar, agindo por seus próprios interesses. Pelo contrário, através da parábola, Jesus mostra que o Pai toma um lado na história: o dos  despossuídos, marginalizados e excluídos; ao lado das minorias.

Jesus coloca uma pergunta: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (v.9). Diante do fato do Senhor assegurar a constante ação de Deus em favor de todos os seus eleitos (o seu povo), Ele coloca a pergunta de modo a provocar os discípulos: diante da fidelidade de Deus, o homem permanecerá fiel à sua relação-em resposta à Deus? Será perseverante? Este será o desafio a ser vivido por aquele que deseja, de fato, seguir o projeto de Deus, tornar-se discípulo de Jesus.

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.


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