sábado, 19 de julho de 2025

REFLEXÃO PARA O XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 10,38-42:

 


A Igreja continua a leitura do capítulo décimo do Evangelho de Lucas. A moldura da narrativa é a mesma: a subida de Jesus para Jerusalém, meta final de sua viagem. Nos evangelhos narrados dos domingos anteriores se meditou o envio dos setenta e dois com as recomendações para a missão, anunciando, primeiramente a face de Jesus (Lc 10,1-12.17-20); a missão deve ser vivida aproximando-se de todos, a exemplo do Samaritano (Lc 10,25-37). O Mestre deseja ensinar aos discípulos – e Lucas recolhe muito bem esta intenção e a transmite para a comunidade – que a experiência do discipulado e da missão, simbolizada pela viagem de subida para Jerusalém, exige da pessoa estar aos pés do Senhor para escutá-lo. E esta condição não é um privilégio de poucos, mas um chamado a todos.

“Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa” (v. 38). O texto bíblico não tem a intenção de contar uma notícia ou crônica de jornal. Antes, transmitir uma mensagem de salvação, uma catequese. Por isso, certas situações narradas fogem do normal. O evangelista apresenta uma família nada tradicional. Ao que parece, ele deve conhece-los do evangelho de João, e, assim, manteve a tradição da família de Bethânia também em seu evangelho. Nesse sentido, não era necessário apresenta-la com tanta precisão. Importante lembrar que, na sociedade do tempo de Jesus, as famílias eram sempre apresentadas e presididas pelos homens. Neste caso, porém, o autor a apresenta primeiramente, as mulheres, Marta e Maria, sem nada dizer acerca de Lázaro, outro irmão. Destaque-se, ainda, que se trata de uma família de irmãos. Qual a importância desta informação? Nestes dois evangelhos, esta família simboliza a comunidade cristã, a Igreja. Ou seja, a comunidade é um lugar de irmãos. Ninguém é maior ou menor; mais importantes ou menos. Por fim, o versículo termina dizendo que elas acolheram Jesus em casa. Ele é que lhes vai ao encontro! Um tema muito belo da catequese lucana: através do Filho, Deus se aproxima. Ele deseja ser acolhido e abraçado pelo ser humano.

A acolhida/hospitalidade era, desde o AT, uma forma de se fazer experiência com Deus (Gn 18,1-10). Todavia, no tempo da sociedade palestinense dos anos trinta, somente o homem poderia receber um convidado em sua casa. A mulher não tinha esta autonomia. Ao acolher Jesus, Marta rompeu barreiras culturais e religiosas bem delimitadas. Ele, de sua parte, também inova porque, de acordo com as tradições de seu tempo, não parecia bem a um homem aceitar a acolhida de mulheres. O evangelista visa ensinar que, ao interno da comunidade e da vida do Reino, homem e mulher são iguais em dignidade.

Marta vai aos afazeres domésticos, conforme os costumes da época. Na verdade, ela faz aquilo que era próprio da mulher dentro de seu contexto social: ser a dona de casa (a doméstica). Sua atitude já era de ser esperada naquela situação social: exclusão dos meios masculinos e a submissão. Em contraste a ela, vemos a sua irmã, Maria. Ela senta-se aos pés de Jesus. “Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra” (v. 39). Ora, a mulher não podia ser admitida nos círculos de ensino da Lei, nas escolas rabínicas. Objetivamente, ela não poderia estar ali. Circulava o seguinte ditado: “é melhor queimar a Torá do que colocá-la nas mãos de uma mulher”.  

Na Catequese de Lucas, Maria inaugura um novo papel para as mulheres: o da discípula. O gesto de sentar aos pés não acena, em hipótese alguma, para as atitudes de adoração ou devoção, como muitas interpretações afirmavam. Muito comum no ambiente rabínico e sinanogal, o “sentar aos pés” indica a postura ideal para a escuta. O Jesus de Lucas abre espaço para o protagonismo das mulheres, restaurando a dignidade delas, dando-lhes o mesmo espaço e papel pertencente aos homens (por ex. Lc 7,11-17.36-50; 8,1-3).

“Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar! O Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas” (v. 40-41). Marta não assumiu ainda o papel de discípula, e, não se dando conta de que aquele lugar também era para ela, se coloca sobre a sua irmã, em tom de repreensão. O diálogo, e fundamentalmente, a resposta de Jesus sobre a atitude de Maria serve para colocar em destaque a condição para se tornar autêntico discípulo-missionário: a escuta da Palavra do mestre. Não se trata de uma reprimenda ou censura. Só pode ser autêntico discípulo dele, a partir da experiência de sentar-se aos pés do Mestre! A Escuta da personagem não é um ouvir ocioso ou descomprometido, só para fugir do serviço doméstico; não se trata de passatempo; tampouco é uma obrigação. Mas é uma escuta que a coloca na dinâmica do “pôr em prática” aquela Palavra.

Jesus vê que a agitação e o ativismo de Marta a impede de fazer experiência da Palavra e com sua pessoa. Lucas expressa esta agitação através do verbo merimnao (gr. μεριμνάω), literalmente, divisão. Ou seja, mostra o estado de divisão em que a personagem se encontra quando é atraída por dois objetivos, entre escolhas opostas. Também o verbo torubazo (gr. θορυβάζω), é importante, pois mostra a confusão em que a personagem se encontra. Faz-se necessária a escuta da palavra do Mestre para que o serviço realizado pelo discípulo não se torne agitação vazia e estéril. De nada adianta o muito fazer, se antes não existir um encontro fundamental e experiencial com o Senhor e com Sua Palavra. Por isso, Ele dá uma oportunidade nova ao chamá-la duas vezes pelo nome. Na teologia bíblica, quando Deus chama uma personagem pelo nome duas vezes (Marta, Marta; Samuel, Samuel (1Sm 3,10); Moisés, Moisés (Ex 3,4); Saulo, Saulo (At 9,4)), é porque Ele está fazendo um chamado vocacional. Ele está chamando Marta a mesma condição de sua irmã: à vocação ao discipulado.

O final do diálogo é muito belo: “Só uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (v. 42). Embora a tradução litúrgica use a expressão “a melhor parte”, o correto é “a boa parte” (em grego: τήν άγαθήν μερίδα), pois é a única que realmente importa, e é incomparável. Essa “boa parte” é equivalente à herança que se recebe. A a parte boa que o discípulo é chamado a receber é a condição de discípulo; estar na escuta do Senhor, sentar-se aos Seus pés; ouvir e abraçar o Evangelho e a Sua vida. É escolhendo a “boa parte” que o ser humano encontra vida em plenitude. 

O texto termina sem dizer se Marta deixou o vazio e a agitação. É uma técnica do evangelista deixar o final em aberto. Trata-se de um convite para que o leitor/ouvinte do evangelho tome o lugar das personagens e se questione acerca de sua conduta, assimile o exemplo positivo e se policie quanto ao negativo.

O leitor-ouvinte do evangelho segundo Lucas encontra em Marta e Maria a experiência da escuta atenta (da Palavra de Deus), que as torna discípulas e que ordena e harmoniza o Serviço aos irmãos. Só pode servir quem faz antes a experiência da escuta da Palavra Deus. Da escuta, se move à Práxis, que é critério de verificação para a Palavra. Do contrário, fica-se imerso na agitação, no muito fazer e desconectados da escuta da Palavra de Jesus.

Ao redor de Jesus todos, indistintamente, são chamados a encontrar seus lugares. Só poderemos subir à Jerusalém com Jesus, se estivermos dispostos a fazer a experiência da hospitalidade de sua Palavra, acolhendo e servindo os irmãos. Só poderemos ser autênticos discípulos, se nos dispusermos a ficar aos pés de Jesus juntamente com eles.

Temos nos colocado aos pés de Jesus para acolher e escutar sua Palavra, e, consequentemente, tornarmos discípulos dele? Quais agitações e vazios tem me roubado da Palavra e de Jesus? Temos cooperado na promoção dos irmãos e das irmãs, de modo que eles também se tornem discípulos? Que possamos escolher a boa parte!


Pe. João Paulo Góes Sillio.

Paróquia São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP

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