sábado, 5 de julho de 2025

REFLEXÃO PARA O XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 10,1-12.17-20:

 


O texto proposto para a liturgia do décimo quarto domingo do tempo comum é extraído do capítulo décimo do Evangelho segundo Lucas. Vale lembrar que já se iniciou em 9,51 a viagem de subida de Jesus para Jerusalém. Até o capítulo 19, o evangelista relata a peregrinação do mestre com seus discípulos para a cidade santa. Não se trata de uma viagem turística, como já se afirmou em outras ocasiões, mas de um itinerário formativo-catequético para aquele e aquela que deseja iniciar o seguimento ao Senhor.

Agora se pode adentrar no horizonte do texto e saboreá-lo. O v.1 introduz a narrativa informando o leitor que Jesus reuniu e escolheu para junto de si outros 72 (dependendo do manuscrito do evangelho segundo Lucas o número é 70), e os envia, dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares que Ele deveria percorrer, paralelamente à missão do grupo dos Doze.

O número 70 (72) é importante, e, na verdade, revela a intencionalidade do próprio Lucas. Ele recupera para a sua comunidade a narrativa de Gn 10, onde se encontra o elenco das nações. Faz lembrar, também, da narrativa contida em Nm 11,16, onde Deus infunde em setenta homens prudentes, o mesmo Espírito dado a Moisés e Aarão. Assim, o número setenta indica a universalidade. O tema da universalidade da salvação é muito querido por Lucas. A salvação é um convite que Deus faz à todos, e por isso ninguém deve ficar de fora. Tanto da salvação, como da missão. O Reino de Deus é a origem da missão cristã: todos são convocados a tomar parte na tarefa de anunciar a presença de Jesus, aquele que traz para dentro da história humana o projeto de Deus. O costume de se enviar em dupla se deve ao fato de que um testemunho ou anuncio só pode ser corroborado por mais de uma pessoa.

O original grego ajuda a captar com profundidade a orientação para que o discípulo vá a frente de Jesus. “E enviou-os, dois a dois, na sua frente”, pode ser melhor traduzido por “Enviou-os, dois a dois a partir de sua face” (πρὸ προσώπου αὐτοῦ/pró prosópou autoû). O discípulo é enviado para levar e anunciar a face de Jesus. Ou seja, a verdadeira imagem do Senhor. Através da missão do enviado fazer resplandecer a imagem daquele o enviou.

Jesus lhes ordena que rezem. Esta é, portanto, a primeira característica do discípulo do Reino. A oração, no evangelho de Lucas é sempre o indicativo de que tudo aquilo que o Senhor está para fazer corresponde com o querer do Pai, e fora discernido na oração. O que o Mestre faz vale, evidentemente, para seus discípulos, ou seja, deverão se colocar em relação à Deus através da oração. Ela se revela um pedido: que o Dono da messe (da colheita) envie mais operários. Esta oração, portanto, ressalta que a Missão é Graça de Deus. É um projeto Dele.

Outra característica do discípulo-missionário de Jesus é a revelada por ele no v.3. Os discípulos são pessoas que anunciam o Reino de Deus numa realidade conflituosa e que vive na contramão do projeto de Deus. “Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos”. A ovelha, na teologia do Novo Testamento, sempre é aplicada ao discípulo como sendo um símbolo para este. Ele deve ser como a ovelha, ou seja, sempre pertencente ao rebanho, na íntima relação com o seu pastor; deve ser sempre dócil, solícita e atenta ao que ele pedir; é, ainda, imagem da simplicidade e da paz. Devem sempre ter presente que possuem um pastor que as defende. Nesse sentido, os anunciadores do Reino não devem empregar os métodos violentos da sociedade que vai matar Jesus e perseguir seus discípulos. Assim, anuncia o Reino quem se despoja do poder. Mesmo sendo enviadas em meio aos lobos, que simbolizam todos aqueles que se servem do poder, da violência, da opressão e da maldade.

“Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho!” (v.4). Uma terceira característica do discípulo do Reino é a sua entrega confiante à providência de Deus, caracterizada pela orientação de nada levar pelo caminho. O pobre bíblico não é somente aquele que nada tem, no sentido econômico apenas, mas também é aquele que não se fecha sobre o que possui. Nesse sentido, não tendo nada ou possuindo ainda pouco, o pobre é aquele que não se fecha nem naquele pouco, e, abrindo mão do que tem, entrega-se confiante nas mãos de Deus. Só pode ser discípulo e anunciador do reino quem se despoja do ter. A mensagem possui também um caráter urgente. É o que Jesus quer dizer no v. 4: “não cumprimenteis ninguém pelo caminho!”. Não é um incentivo a falta de educação ou a insensibilidade, mas um apelo para que não se perca tempo com conversas ou coisas fúteis no decorrer da missão. A tarefa é anunciar o Reino, e não falar ou dizer coisas sem sentido. O discípulo não poder perder tempo ou gastar energia em conversas ou em situações que não edificam.

Os discípulos-missionário do reino possuem mais uma característica importante: são pessoas que se preocupam por restaurar a dignidade perdida do outro: “Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: 'O Reino de Deus está próximo de vós.'” (v.8-9). Comer do que for servido significa a capacidade de se criar laços relacionais, uma vez que as relações cresciam e se fortaleciam no sentar-se à mesa para partilhar uma refeição. No caso dos enfermos, eles eram considerados pecadores por conta da doença que possuíam, segundo a mentalidade religiosa da época, que a considerava como castigo e fruto do pecado. Por isso, eram afastados do convívio social e religioso. Nos evangelhos sinóticos (Mc, Mt e Lc) as curas que Jesus realiza revelam-no como enviado de Deus para anunciar o Reino. O Reinado de Deus é Ele mesmo agindo na história através de Jesus. Para que o anúncio seja pleno deve-se recuperar a dignidade dos que se encontram marginalizados e excluídos.

O anúncio nem sempre é acolhido. Sofre resistências. No v.11, Jesus profere uma sentença que merece ser bem compreendida. “Mas, quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós”. O gesto de sacudir a poeira não significa maldição da parte de Deus. Ele se torna um símbolo profético da recusa dos destinatários, e da ruptura, por parte dos discípulos, com a conduta daqueles que fizeram ouvidos de mercador ao anúncio do Reino. Todavia, alerta Jesus, “sabei que o Reino de Deus está próximo!” (v.11). 

Na sequência, a liturgia insere os vv.17-20. “Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: 'Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome” (v.17). Jesus declara a eles que, de fato, “viu Satanás cair do céu como um relâmpago” (v.18). O que significa este dito? Ele se serve de um versículo que se encontra em Is 14, “Como caíste do céu, Lúcifer, filho da aurora...” (Is 14,12). Para exprimir a vitória dos discípulos, o Senhor recorre à imagem com a qual o profeta descreve a queda da Babilônia e de seu rei. Nesse sentido, a expulsão de demônios por parte dos discípulos demonstra que eles têm a mesma missão de Jesus.

Com o anúncio do Reino, o poder de Satanás, que é um poder de dominação e de morte, termina. Satanás é símbolo para tudo aquilo que é antagônico ao projeto de Jesus e do Pai. Quando a comunidade age segundo o modelo da vida do Senhor, ela se coloca na contramão do anti-reino e declara a falência dele e de todas as forças, sistemas de morte e de alienação que atingem o ser humano e que o impedem de viver a liberdade do Reino.

“Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu” (v.20). Jesus alerta para a tentação da comunidade de se embriagar pelo poder e pelo sucesso. O poder de vencer o mal lhes é dado pelo Senhor (“Eu dei a vocês o poder...”). Por isso, os discípulos precisam entender que o poder que o Mestre lhes delega como instrumento é para libertar as pessoas dos poderes que oprimem. Nesse sentido, a alegria dos discípulos é saber que são protagonistas da graça e da gratuidade do Deus que caminha no meio da história: “Fiquem alegres porque os nomes de vocês estão escritos no céu”.

O texto nos propõe perguntas: 1) no caminho (da vida e do discipulado) com Jesus, que ruma para Jerusalém, quais características do discipulado ainda precisam ser assimiladas por mim? 2) nossas comunidades têm assumido o projeto da missão de Jesus, sendo, de fato, uma comunidade discípula-missionária?

 

Que sigamos os passos do Senhor.

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Paróquia São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.


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