Celebra-se em toda a Igreja a solenidade da Santíssima Trindade, ao interno do tempo comum, já retomado após Pentecostes. Todavia, para este ciclo litúrgico, a liturgia ainda propõe a leitura do Quarto Evangelho para ajudar na meditação desta solenidade. Tendo se cumprido com a solenidade do pentecostes as celebrações máximas do Mistério Pascal do Senhor (paixão, morte, ressurreição-ascensão e pentecostes), a Liturgia católica achou por bem inserir a Solenidade da Santíssima Trindade para explicitar aos fiéis qual o destino, enquanto meta e finalidade, de todo o discípulo e discípula do Reino que decidiu-se por viver a vida de Jesus de Nazaré: ser habitação de Deus Uno e Trino. Ser morada da Trindade. O texto evangélico utilizado para nossa meditação se encontra no capítulo dezesseis do Evangelho segundo João.
O capítulo dezesseis encontra-se, como já estamos familiarizados, na segunda parte do evangelho joanino, no livro da Glória, precisamente no chamado testamento de Jesus; a grande catequese-ensino do Senhor que acontece ao redor da mesa naquela ceia de despedida às vésperas da páscoa judaica. Ali, Jesus revela o conteúdo do seu testamento: o dom da sua vida (simbolizado no gesto do Lava-pés, em Jo 13) e o mandamento novo do amor, através do qual a comunidade dos discípulos pautará o seu viver e agir animada pelo Dom do Espírito.
O texto proposto inicia-se a partir do v.12. Jesus afirma aos discípulos sentados ao seu redor, na ceia: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora”. O Espírito será o intérprete da vida de Jesus para a comunidade. Mas isso só será possível mediante o evento de Sua morte-ressurreição, porque será somente a partir do dom do Espírito, que a comunidade poderá compreender e interpretar o sentido da vida do Mestre, bem como de sua morte e ressurreição. A ressurreição de Jesus e o Dom de Seu Espírito permitirão à comunidade atualizar a vida e a presença do Senhor no meio deles. De fato, seria impossível compreender as coisas antes que elas aconteçam.
Mas, a incapacidade dos discípulos em compreender o que Jesus diz naquele exato momento se deve ao fato de que só pode compreender o que Ele diz quem já alcançou a capacidade de fazer o que ele faz, isto é, doar a própria vida. O discípulo só poderá entender as palavras e o sentido da vida do Senhor quando assimilar e realizar a mesma existência de Jesus. Enquanto isso ainda não é assimilado pelo discípulo, ele não compreenderá as Palavras do mestre. Ainda os discípulos não estão prontos, porque não passaram pela experiencia de Jesus.
Por cinco vezes, durante o discurso, Jesus promete enviar o Espírito Santo quando retornar para o mundo do Pai (cf. 14,16-17.26; 15,26; 16,7-8.13). Através do Espírito, a presença de Jesus se eternizará no meio deles. O Jesus joanino adjetiva o Seu Espírito como “Espírito da verdade”. Verdade no evangelho joanino significa “amor/fidelidade”. Não se trata de uma verdade abstrata, filosófica ou racional. A fidelidade/amor é o modo através do qual Jesus decide-se por viver em relação ao Pai que é amor fiel, e em relação às pessoas.
As “coisas futuras” significam a capacidade de ler os eventos futuros à luz da mensagem de Jesus. Não não novas revelações ou visões, tampouco uma nova relação com Deus mediante o Espírito. Mas a atualização da única e mesma mensagem de Jesus a toda a comunidade. A comunidade muda, cresce; surgem novas necessidades e problemas, e a relação com o Espírito, fará compreender, graças à mensagem de Jesus como ir ao encontro destes problemas e destas necessidades.
A comunidade cristã sempre encontrará situações novas e surpreendentes ao longo da história. Deverá ela sempre interpretá-las à luz da vida de Jesus. E quem garantirá a continuidade desta vida do Senhor na vida e na história do discípulo e da comunidade será o Espírito da Verdade, ou seja, do amor/fidelidade do Pai que conduziu a vida de Jesus.
A referência trinitária para o texto de hoje encontra-se no v.15: “Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu”. Emerge, aqui, o tema do amor (comunhão) e da unidade existentes entre Jesus e o Pai. É sob o mistério da comunhão, amor e unidade que o Deus uno e trino pauta o seu viver desde o interno de sua vida intra-divina. Esta vida, num mesmo mistério de amor, extrapola para fora de si mesma, e quem a revela é Jesus no Espírito.
Da vida da Trindade somos todos chamados a
participar através do Batismo recebido, o qual nos dá o Dom do Espírito, que
habilita a chamar Deus de Pai e Jesus de Senhor. Assim, o Espírito nos garante
acesso a vida de Jesus e do Pai, porque nos leva para dentro de sua relação de
comunhão e amor, para vivermos segundo a vida do mesmo Filho, inscrita em nós
pelo Espírito. Ou seja, para vivermos uma vida segundo o modelo da Trindade, em
amor, comunhão e unidade.
Que a vida da Santíssima Trindade, que já nos (in)habita desde o Batismo, possa ser vivida através de nossa existência e mediante o testemunho de fé da comunidade cristã, a qual é espelho da comunidade perfeita formada pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo.
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese
de Botucatu – SP.
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