sábado, 6 de setembro de 2025

REFLEXÃO PARA O XXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 14,25-33:


 

O evangelho deste vigésimo terceiro domingo do tempo comum, continua a leitura do capítulo quatorze da catequese de Lucas, Lc 14,25-33. Numa contextualização imediata, situa-se após o banquete dado pelo chefe dos fariseus à Jesus. O mestre, novamente, retoma o caminho para Jerusalém, e isso fica evidente através do uso do verbo “acompanhar”, que se encontra referido às multidões. O caminho que Ele trilha com seus discípulos, já se sabe bem, não é somente geográfico; é, antes, um itinerário físico-espiritual, teológico e de fé. Visa a formação correta do discípulo do Reino. Neste bloco (Lc 9,51 – 19), o evangelista concentra o ensinamento principal do Senhor destinado ao discípulo que com Ele caminha, para que aprenda a ser e viver diante do projeto de Deus.

A primeira, é a existência de um contraste que se estabelece entre a casa, o caminho e a sinagoga do século I, que Lucas introjeta para o tempo narrado dos anos 30. Jesus e os discípulos, vez ou outra param, fazem experiência da casa, refazem-se, mas continuam a caminhada. Não é mais a sinagoga, ambiente de estudo da Palavra e de seu ensino, para se fazer experiência com Deus, mas na casa e no caminho. A segunda realidade é a de considerar o caminho como parte integrante e fundamental da comunidade dos discípulos de Jesus dos anos oitenta do primeiro século, bem como das gerações seguintes. Indica seu estado permanente de saída, de missão, conforme a descrição que o livro dos Atos dos Apóstolos oferece. Ilustra, pois, a realidade em que vive e deve viver Igreja.

O texto de hoje trata-se de uma advertência que Jesus faz aos que o acompanham no caminho acerca das exigências do discipulado. O versículo 25, que serve de introdução para a narrativa, nos informa que o Mestre e os discípulos já estão em caminho acompanhados de uma multidão. Muito importante esta nota que o evangelista oferece. “grandes multidões acompanhavam Jesus (v.25a)”. Interessante  notar que o autor utiliza um verbo diferente, “acompanhar” (gr. συμπορεύομαι/symporeuomai), e não o verbo “seguir” sempre empregado aos discípulos. A intenção do catequista é a seguinte, mostrar para sua comunidade que há uma diferença muito grande entre os que simplesmente acompanham a Jesus, daqueles que realmente O seguem. Ao mesmo tempo, é uma chamada de atenção para não caírem no mesmo comodismo e descompromisso daqueles que somente acompanham o Senhor. Muito provavelmente a comunidade de Lucas esteja passando por esse processo de comodismo ou de esfriamento da fé e da adesão ao Reino e à vida de Jesus, e abandonando o caminho.

A multidão que procura Jesus é um grupo muito diversificado. Ao seu interno aparecem pessoas que vão se comprometendo com sua Palavra, ensinamento, modo de viver e com Sua pessoa; conseguem dar o passo ao discipulado. Existem também aquelas que O procuram somente para satisfazer as próprias conveniências, os milagres; sentindo-se seduzidas pelo bem-estar que sua pessoa pode oferecer; outras, e perigosas tanto quanto as demais, se achegam a Jesus devido a imagem equivocada de messias que possuem, nacionalista, guerreiro, opressor, violento. Estes simplesmente O acompanham; não o seguem. Não comprometem a vida com Ele.

Jesus, consciente deste perigo que ronda a multidão e também os discípulos estabelece três condições essenciais para segui-lo, sendo que a terceira vem após duas parábolas que servem de apoio para as três exigências. “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo (v.26)”.

A primeira exigência é a mais radical que Jesus expõe. Mas que tem que ser bem entendida, sem rigorismos e sem amenidades. É importante compreender o seguinte, a família, na sociedade do tempo de Jesus representa um núcleo de pertencimento, segurança social e status. Romper com esse círculo significa correr o risco de perder a identidade e os privilégios. Romper com a família representava um grande desafio e consistia num processo doloroso. Para se ter noção do quão séria é esta exigência, é importante tomar o texto original que traz o verbo “odiar (gr. μισέω/missêo)” ao invés de “desapegar”.

O dito de Jesus deve ser bem entendido para não gerar equívocos. O verbo “odiar” para a cultura do povo de Jesus não tem o mesmo sentido para a nossa. Entenda-se “odiar” como “amar menos (com menor intensidade)”. O Senhor não está dizendo ou incitando as pessoas ao ódio, da forma como pensamos ou concebemos este sentimento. Ele está pondo a seguinte exigência para ser Seu discípulo: o Reino de Deus e Seu projeto devem ser prioridades para aquele que desejar segui-lo. Significa recolocar e reordenar as relações (pais, irmãos, esposos, esposas, filhos, e a sua própria vida) em vista do Reino e do discipulado. Da mesma forma que Jesus não quer que as relações se esfacelem ou sejam vividas com hipocrisia. Não adianta fazer a opção em favor de Jesus e, dentro da própria casa ou das próprias relações, viver incoerências. Não acolhendo quem necessita, inferiorizando e oprimindo os outros; vivendo desarmonia. Ao contrário, viver e exercitar a compreensão, a empatia, a igualdade das dignidades. Assim, a relação com Jesus e o Reino deve moldar e transformar a relação com os outros, com os de casa, com os que estão à sua volta.

A segunda exigência que Jesus estabelece é a seguinte: “Quem não carrega a sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (v. 27). A cruz no contexto da sociedade e do tempo de Jesus representa medo, tortura, vergonha e exclusão social e religiosa. Era a máxima condenação que o Império Romano impunha aos inimigos políticos, que representavam perigo social para Roma. Neste contexto da narrativa ela deve ser tomada em seu sentido real, ou seja, a eventualidade e a realidade da perda (entrega) da própria vida em vista da fidelidade ao Reino, ao Pai. Só pode ser Seu discípulo quem entende que a vida também pode ser perdida por causa do horizonte e da fidelidade ao projeto de Deus. A capacidade de dar e de gastar a vida é o que significa tomar a cruz e seguir a Jesus, em todo o seu realismo e consequência.

A terceira exigência, “renunciar a tudo o que tem”, toca na capacidade e na maturidade exigidas do discípulo na relação que possui com os seus bens. Mais uma vez Jesus toca no tema do desapego como condição de liberdade para que se possa ser autêntico servidor do Reino e seu discípulo. Agora, ele é chamado a colocar o que possui em relação às necessidades dos outros. Amar menos o que se tem para coloca-los a serviço dos que não possuem.

As duas parábolas que se encontram no meio do texto, nos vv.28-32, são tomadas de ambientes distintos, mas possuem a mesma intenção e finalidade. A primeira, a do construtor que deseja começar a construir deve saber se terá o suficiente para concluir a obra. Caso contrário será alvo da chacota alheia. A segunda, serve-se do exemplo de um rei que está preste a sair em batalha com seu reduzido exército, em face a outro que apresenta um exército mais numeroso, e que deve discernir bem sua estratégia. Ambas as parábolas tocam no tema do discernimento diante de uma tomada de decisão e de suas consequências. Elas servem para iluminar o discípulo na tomada de decisão e leva-lo a pensar nas consequências.

Jesus não quer que o discípulo seja inconstante. Para se tornar seguidor é necessário que a pessoa pese, discirna e tome consciência da escolha que está fazendo. O discípulo, portanto, não pode ser inconsequente. Assim como o construtor e o rei têm que ser conscientes das decisões e consequências que podem ter. Este é o sentido das duas parábolas que reforçam as exigências que o Senhor faz para quem quiser segui-lo.

Quem somos neste “espelho” do texto: 1) acompanhantes ou seguidores de Jesus? 2) Temos colocado o projeto de Jesus e do Reino em primeiro lugar ou temos amado mais nossos próprios projetos e convicções? 3) Temos discernido sobre a nossa condição e vocação de discípulos e discípulas?

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.

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