sábado, 9 de agosto de 2025

REFLEXÃO PARA O XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 12,32-48:


A liturgia continua a leitura do evangelho segundo Lucas, desenvolvendo hoje os vv. 32-48. O contexto amplo é o da viagem de subida para Jerusalém. Neste longo percurso (literariamente falando, composto de dez capítulos), o evangelista recolhe os ensinamentos basilares do Senhor comunicado aos discípulos. Na seção proposta para a liturgia dominical, o mestre desenvolve os ensinamentos transmitidos nos versículos anteriores, no tocante às atitudes e posturas dos discípulos em relação aos bens (v.32-34), e acrescenta mais três características: a vigilância, o serviço e a responsabilidade, ilustradas pelas três parábolas aqui contadas (vv. 35-48). Isto posto, é possível adentrar no horizonte do texto.

“Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino” (v.32). Os três primeiros versículos se conectam ao tema que os precedeu: o abandono nas mãos do Pai e a busca fundamental pelo Reino. Os discípulos de Jesus são comparados a um pequeno rebanho, ao qual este lhe é confiado. O que fora ensinado a pedir no Pai-nosso (cf. 11,2) já está acontecendo na vida das comunidades cristãs. Ora, o Reino é um dom do Pai à comunidade dos discípulos. Mas há um apelo radical feito pelo Senhor: “Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói.” (vv. 33-34). A ênfase da exigência é colocada no modo como os discípulos se relacionam entre si e com os outros, isto é, na partilha dos bens. Ou seja, o reino começa a se implantar lá onde os bens dos discípulos são postos à disposição de todos, preferencialmente aos mais pobres.

No v.35, Jesus começa a contar três parábolas. Já é conhecida a preferência que Ele tem por esta forma de ensinamento sapiencial, o qual recolhe toda a realidade simples do cotidiano, para se transmitir uma lição importante. Este recurso pedagógico possui três intenções: provocar, chamar a atenção e propor uma mudança de atitude no leitor/ouvinte do evangelho, no caso, o discípulo e a comunidade.

A advertência feita pelo Senhor antes da primeira parábola é muito importante: “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas” (v.35). A veste comprida que os homens usavam na sociedade do tempo de Jesus era suspensa até a cintura, na altura dos rins, por meio de uma estreita faixa, durante o trabalho ou a viagem, de modo a não impedir os movimentos. Portanto, cingir os rins e manter a lâmpada acesa indica a pronta disponibilidade. Nesse sentido, a vida dos discípulos é caracterizada por duas atitudes: a vigilância e a responsabilidade. Deve estar alerta, sempre preparado. Assim, o tempo da espera é o tempo da responsabilidade e da fidelidade.

Dos vv.36-38, Jesus transmite a primeira parábola, embasando-se na experiência patrão-empregado. O tom dela é de advertência, mediante o uso do modo verbal no imperativo. Exorta aos discípulos a assimilarem a imagem dos empregados que estão a espera do seu patrão que volta de uma festa de casamento. Ela tem a intenção de inculcar no leitor/ouvinte e no seguidor uma espera vigilante e constante. Quanto mais a espera se faz extensa, e incerta a hora da chegada, tanto mais necessária é a vigilância perseverante dos empregados. Eles são declarados “bem-aventurados”, felizes. E acontece algo inimaginável na parábola (e este é o elemento exagerado que serve para chamar a atenção de quem escuta), que é mudança dos papeis. O Senhor/patrão assume o traje de trabalho e se põe a servi-los, enquanto os empregados tomam lugar à mesa. Isto não acontecia na realidade cotidiana. Um elemento muito belo na catequese lucana que deseja mostrar a inversão realizada na história pelo Deus e Pai de Jesus; ou seja, o Deus patrão e senhor assume a forma de um servo.

A segunda parábola assume uma imagem inconcebível para aquele tempo. Jesus compara a vida de Deus como um ladrão que vem assaltar a residência do chefe da casa. Os arrombamentos noturnos eram fatos conhecidos de todos. As casas palestinenses eram muito frágeis e fáceis de serem invadidas. Mas a ênfase do Mestre está na atitude da vigilância que o discípulo precisa exercitar, para acolher o dia do Senhor. A imagem do ladrão noturno aplica-se ao Filho do Homem juiz ou salvador que vêm inesperadamente (cf. lTs 5,2; 2Pd 3,10; Ap 3,3). Daí a exortação urgente às primeiras comunidades cristãs, a não se deixar tomar pela indolência ou pela preguiça.

A terceira, mas não menos importante, é a do administrador (gr. οἰκονόμος/oikonomos/ecônomo = administrador da casa), que é adjetivado por Jesus como fiel e prudente, ao qual o patrão, durante a sua ausência, confiou a responsabilidade de todo o pessoal de serviço. Ele tem duas possibilidades: ser fiel, e assim receber de seu senhor uma recompensa que vai além de qualquer limite (cf. 19,17-19). Sua fidelidade se revelará na forma como age com seus irmãos ao cuidar, nutrir, servir e ama-los, isto é, propor e dispor todo o necessário para que tenham qualidade e plenitude de vida durante a ausência do dono da casa. Ou abusar de seu poder, trair a confiança de seu senhor e mandar despoticamente sobre os outros servos, agindo com violência e com força, espancando-os; ou pensando somente em si, comendo, bebendo e embriagando-se.

Num primeiro momento, Jesus aplica esta parábola aos chefes religiosos de seu povo, os mestres da lei, os fariseus, os sacerdotes. Mas no âmbito da comunidade, este ensinamento também é destinado à todas as lideranças, chamadas a viver a missão recebida. Na lógica do Cristo a comunidade cristã tem um só e único chefe e Senhor (cf. Mt 23,8-10), enquanto todos os outros são servos e irmãos. Aquele que recebeu o cargo de presidir a comunidade dos servos do Senhor permanece fiel só se não se transforma em dono da comunidade. O imprudente receberá o seguinte pagamento: “ele o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis” (v.46). A punição “partir ao meio” (gr. διχοτομήσει/dikotomêssei) era a máxima execução aplicada na Pérsia, mais cruel até que a crucifixão no império romano. No mundo judaico, expressava a pena destinada a quem transgredia a aliança. Não se trata propriamente de um anúncio de castigo, mas de um alerta à perda de sentido da vida.  

“A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido!” (v.48). Este versículo que conclui a seção de hoje pode ser entendido desta maneira: o que foi dado em plenitude ao ser humano foi o Reino. Por isso, do discípulo se exige que viva a altura deste projeto.

Na vida concreta, assim como na vida comunitária e fraterna, como viver e crescer nestas três atitudes – a vigilância, o serviço e a responsabilidade – apresentadas pelas três parábolas de hoje? Tenho consciência de que também eu, através do Batismo, sou chamado a ser administrador dos bens de Deus para os irmãos?

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Paróquia São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP. 

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